Por que o desejo some quando a relação dá certo? Artigo do psicólogo de casais Renan Santana provoca reflexão sobre amor e intimidade

É justamente quando a relação parece “dar certo” que muitos casais se deparam com uma inquietação silenciosa: o amor permanece, a parceria existe, a vida está construída, mas o desejo já não aparece com a mesma força. No novo artigo assinado por Renan Santana, psicólogo de casais e neurocientista, essa experiência deixa de ser tratada …

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É justamente quando a relação parece “dar certo” que muitos casais se deparam com uma inquietação silenciosa: o amor permanece, a parceria existe, a vida está construída, mas o desejo já não aparece com a mesma força. No novo artigo assinado por Renan Santana, psicólogo de casais e neurocientista, essa experiência deixa de ser tratada como tabu ou falha pessoal e passa a ser compreendida como parte natural da dinâmica dos vínculos afetivos.

No texto, Renan propõe uma separação necessária entre três dimensões frequentemente confundidas: amor, intimidade e desejo. Enquanto o amor se fortalece a partir da segurança, do cuidado e da previsibilidade, o desejo se alimenta da curiosidade, da diferença e do mistério. A intimidade, por sua vez, aproxima, revela e torna o outro familiar. O paradoxo surge justamente aí: quanto mais íntimos os parceiros se tornam, menor tende a ser o espaço psíquico para o erotismo se manifestar de forma espontânea.

A análise se aprofunda ao recorrer à neurociência. Na fase inicial do relacionamento, o cérebro opera em estado de conquista, estimulado pela imprevisibilidade e pela expectativa. Com o passar do tempo, a rotina se instala e o organismo reduz a ativação dos sistemas ligados à excitação. O amor se consolida, mas o desejo deixa de ser automático. Segundo Renan, o erro comum dos casais é esperar que ele continue funcionando sozinho, sem investimento consciente.

O artigo também chama atenção para a fusão emocional como um dos grandes inimigos do erotismo. Quando o casal abandona a individualidade, vive apenas em função do “nós” e deixa de cultivar interesses próprios, a alteridade desaparece. Sem diferença, não há desejo. Nesse cenário, o tédio surge como consequência da previsibilidade, e não como sinal de que o amor acabou.

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Outro ponto sensível abordado no texto é o ressentimento. Mágoas acumuladas, conflitos não resolvidos e dinâmicas de controle transformam o parceiro em uma fonte ambígua de afeto e tensão. E, onde o corpo não se sente seguro, o desejo não encontra espaço. Ciúmes excessivos e vigilância constante sufocam a liberdade necessária para o erotismo existir.

Renan também amplia a discussão para o campo cultural. O ideal do amor romântico, que associa vínculo à fusão, posse e intensidade permanente, cria expectativas irreais e dificulta uma relação mais honesta com as oscilações do desejo. Nesse contexto, frases como “eu amo, mas não sinto vontade” passam a ser vistas não como contradições, mas como reflexo de relações excessivamente previsíveis e pouco livres.

Sem oferecer soluções mágicas, o artigo aponta caminhos possíveis: recuperar a individualidade, romper o piloto automático da rotina, investir em comunicação erótica e tratar feridas emocionais antes de tentar reacender o sexo. Para o psicólogo, o desejo precisa de movimento, imaginação e sujeitos vivos, não de obrigações ou performances vazias.

Ao final, Renan Santana convida o leitor a abandonar a ideia de que o desejo deveria ser constante e eterno. Oscilar faz parte da experiência humana e não invalida o amor. Compreender essa dinâmica permite relações mais maduras, menos idealizadas e mais conscientes. O que sustenta um relacionamento ao longo do tempo não é a euforia permanente, mas a escolha diária de cuidar daquilo que, inevitavelmente, não se mantém sozinho.